Monday, September 21, 2009

Para todos os gostos

A hipocrisia sempre domina quando o homem quer dominar. Seja com o boçal Bush ou com o ominoso Berlusconi, a nudez é a primeira vítima. Não sabemos se Bush considerava a tímida nudez de algumas estátuas existentes em Washington realmente uma ameaça; sabemos que se Berlusconi tinha alguma coisa contra a nudez (que ele mandou cobrir) no afresco de Tiepolo em seu gabinete era apenas que ela não fosse a de uma ninfeta de verdade que ele pudesse beliscar. Se um continua casto no Texas e se o outro é um sátiro na Sardenha, pouca diferença faz para a nudez na arte, sempre demonizada como indecente, para que a verdadeira indecência dos acusadores passe despercebida.
E os artistas, como ficam? Não sei, mas ficariam bem melhor se fossem pragmáticos. Vicenzo Gemito não é uma dos mais famosos escultores da arte italiana, mas foi bem conhecido na segunda metade do século XIX. Ele procurou inspiração nos grandes da Renascença, como Verrocchio, Donatello e Giambologna, assim como foi muito influenciado pelas estatuetas então recém descobertas em Pompeia e Herculano. Querendo criar uma estátua que representasse as crianças pobres de sua Nápoles natal, os scugnizzi, como eram chamados por lá, criou o Aguadeiro (Acquaiolo). Entretanto, fez duas versões: numa, o garoto está nu; na outra, em tudo semelhante à primeira exceto por um detalhe, o garoto está usando calções.
A versão pelada foi exposta e terminou num museu. A vestida, foi dada de presente a Francesco II, rei de Nápoles deposto durante a reunificação italiana. Está certo que tal rei destronado vivesse de mal humor, mas daí a implicar com a nudez sem pelos de um garoto já o configura como precursor da paranoia atual que vê "pornografia infantil" por todo lado . Então, sabendo das coisas, o Gemito se preparou para satisfazer todos os gostos - ou desgostos...